Eu quero o tudo querendo o nada Eu quero o meu inicio querendo o meu fim Eu quero o céu e procuro o chão Eu quero as pessoas e olho-me ao espelho Eu quero e quero e quero e o que Eu realmente quero é dar.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

American Life- O anti-climax



O álbum American Life marca mais um momento fulcral na gigantesca carreira de uma das maiores estrelas de sempre da música pop: Madonna. Depois dos enormes sucessos de Ray of Light e Music, Madonna re-inventa-se mais uma vez e surge no seu palco que é o mundo com uma das suas imagens mais agressivas de sempre: no vídeo original do primeiro single, Madonna transforma-se numa heroína com farda militar e saltos-altos que luta contra a ideia (ironizada) de guerra e dos média tablóides. O vídeo, que ainda passou durante alguns dias em canais europeus e sul-americanos, foi colocado na prateleira devido ao enorme escandalo (alimentado precisamente pelos média tablóides) e a diversos rumoures de ameaças de morte.
Toda esta situação acabou por ferir em alguns mercados as vendas do álbum (curiosamente, esses mercados/países eram governados por líderes pró-guerra), mas a força que a própria Madonna tem não impediu que o álbum American Life liderasses os tops de mais de 15 países na sua semana de estreia.
Escandalos à parte, resta aquilo que mais admiro na carreira desta pessoa que nos invade há mais de 20 anos: a sua música; e por isso mesmo aqui vem a crítica, por tema, do álbum American Life:
  • American Life- Primeiro verdadeiro single de apresentação deste álbum (depois de Die Another Day que também fez parte da banda sonora do blockbuster James Bond). Quando o escutei pela primeira vez, pensei que fosse falso, havia algo na estrutura desta canção que simplesmente não fazia sentido. Caos é a palavra que me surgiu. A sonoridade característica do co-produtor francês Mirwais está mais presente que nunca e, se de início se estranha, após algumas escutas atentas, entranha-se. Posso dizer que, passado mais de um ano do lançamento deste single, ele soa melhor que nunca e é agora que se entende o seu significado e a razão desta escolha para single de apresentação. A produção, supostamente simplista, torna-se megalónoma e transmite-nos cruamente a violência de que fala em contraste genial com o melódico refrão. American Life funciona e quem discordar terá que escutar as várias versões que têm saído tanto em remixes, como nas versões ao vivo da Re-Invention Tour (onde é considerada um dos melhores momentos do espectáculo). A idolatração da fama pura, sem qualquer significado ou mensagem ou valor, e o caminho fácil para lá se chegar é esmagado por esta canção de combate.

  • Hollywood- O segundo single de American Life mostra um contraste com o primeiro, pelo menos em termos musicais (o seu ritmo viciante e bem-disposto torna esta canção óptima para um dia solarento), dado que, em termos de mensagem básica, a canção segue os passos da sua antecessora: irónica, decadente e crua. Fama fácil e sem qualidade, fama, fama, fama! Madonna consegue com Hollywood juntar dois mundos, o do puro entertenimento com a crítica implícita presente. A produção mostra-se mais fresca e até mais original que o primeiro single com a sua distorção de voz incrível na parte final da canção a que se segue um silêncio estratégico seguido desde logo pelo ritmo e pelas guitarras que nos fazem abanar.

  • I'm So Stupid- Odiada por muitos, amada por outros tantos. I'm So Stupid é sem dúvida uma das canções mais originais do álbum. A união que faz entre o techno e o rock está muito bem conseguida, mas é logo no início da canção que surge o momento mais polémico da canção: uma voz distorcida de Madonna surge de repente do nada e mantém a mesma nota/tom durante diversos segundos, não há ritmo, não há melodia, apenas a pixelizada voz. São estes ruidosos segundos que fazem muita gente torcer o nariz e procurar em desespero o botão de next... É uma canção díficil, não há dúvida, com uma letra algo estranha e nem sempre clara em termos gramaticais. A voz de Madonna faz lembrar a dos tempos em que ela cantava em bandas de garagem e parece mais solta que nunca pois é isso mesmo que Madonna canta: soltar-se de todas as coisas fúteis da vida e amarrar-se apenas ao que é verdadeiramente importante.

  • Love Profusion- Esta é a primeira canção mais usual que surge em American Life (e terceiro single de apresentação), mas isso não significa que esteja abaixo das anteriores, porque a melodia feliz e a prestação sentimental que esta balada com ritmo nervoso carrega, tornam-na numa das mais agradáveis canções de se ouvir em todo o álbum e Madonna apresenta-nos assim uma das suas marcas no mundo da música: canções pop perfeitas. O tema é simples, mas sincero: o caos pode-nos cercar, mas, se partilharmos o amor com alguém, tudo estará bem (ou nas palavras de Dulce Pontes: Seja o que for que o Amor me traga, sei que é Primavera neste Inverno).

  • Nobody Knows Me- Talvez este seja o primeiro grande momento de dança do álbum, Nobody Knows Me é um autêntico hino nas pistas de dança e, se de início a estrutura da canção provocou alguma estranheza, é das canções mais viciantes que Madonna alguma vez escreveu (não é consensual entre os fãs, esta é uma canção que provoca uma reacção de amor/ódio em quem a ouve). O tema é uma continuação do tratado nas canções anteriores, ela canta que, apesar de toda a fama que possui (ela é a mulher mais famosa do mundo viva), ninguém na realidade a conhece e que ela se tenta proteger do mundo exterior e das suas mentiras e fofocas inúteis filtrando tudo o que consome desta sociedade global em que vivemos, concentrando-se apenas nas coisas verdadeiras e importantes. Mas a grande estrela da canção é mesmo a sua produção: o ritmo quebrado, o uso do vocoder, as paragens e as variações na estrutura musical (tudo rodeado por uma verdadeira mensagem) tornam a canção num autêntico fenómeno musical para os ouvidos e um must para os admiradores de música techno.

  • Nothing Fails- Esta é a primeira canção verdadeiramente calma de American Life e tornou-se desde cedo uma das favoritas entre os fãs, a sua melodia desliza pelo ar e espalha um bem-estar honesto e que reitera a ideia expressa na letra da canção: o Amor protege-nos nos momentos em que tudo corre mal à nossa volta. Nothing Fails poderia ser apenas uma canção simpática, mas um momento transforma-a num épico: o coro gospel; este surpreende o ouvinte ao surgir do alto e a dramatizar a canção até limites quase religiosos; e tal como surgiu, também o coro gospel desvanece-se e deixa a voz de Madonna continuar a canção calmamente. É uma canção acima da média do que se ouve nas rádios, mas a sua colocação logo a seguir ao energético Nobody Knows Me acaba por ferir um pouco a sua performance, pois quem escuta o álbum tem uma paragem excessivamente súbita e pouco natural.

  • Intervention- Confesso que quando escutei esta canção pela primeira vez pensei que era mais uma daquelas canções sobre o Amor, muito melosas e escritas à base de clichés, mas a verdade é que, umas semanas depois, Intervention começou a ganhar um certo respeito e admiração da minha parte. Sim, a canção recorre a alguns truques mil-vezes usados (nomeadamente no refrão), mas é tão sincera, tão melodiosa (as guitarras estão mesmo excelentes), tão harmoniosa que se aproxima muita da canção de Amor perfeita. Como costumo dizer, é daquelas canções que me espetam sempre um sorriso nos lábios (e isso já é tanto!).

  • X-Static Process- Trata-se de uma das canções mais despidas da Madonna (e nada de piadas!), a sua voz, uma viola acústica e uma melodia (curiosamente semelhante ao piano de Erotica) que podia muito bem ser cantada por um acordeão, nada mais. É uma canção muito pessoal onde Madonna parece fazer um dueto consigo própria num enleado de vozes e tons, tudo muito complexamente simples. A mensagem é clara, e as palavras de Madonna em Paris sucintam a sua ideia base: If you give Man/Christ more power then they diserve, you will get f*cked; não devem ser necessárias traduções...

  • Mother & Father- Imaginar Madonna a cantar letras de canções básicas e até infantis talvez nem seja novidade para algumas pessoas, mas se desta vez ela o fizer noutra perspectiva e cantá-las como sendo mesmo uma criança e revivendo toda a sua infância (onde perdeu a mãe e teve que aprender a partilhar a casa com a madrasta) como se viajasse no tempo, talvez seja bem mais interessante e, contraditoriamente, mais adulto. Esta canção apresenta uma voz fina e, como se disse, infantil de Madonna a cantar palavras que poderiam ter sido vividas por uma criança de 6 anos, mas se a imaturidade inicial confunde o ouvinte, a crueldade das palavras expelidas a meio da canção numa das paragens/variações mais violentas que já ouvi pela sua crueza, torna esta canção das mais maduras que Madonna escreveu e para comprová-lo basta escutar a versão ainda mais poderosa interpretada na Re-Invention Tour. O final da canção parece uma tortura de sons que raspam os nossos tímpanos, mas é isso mesmo que a canção quer transmitir. Não é uma canção fácil, mas a infância de Madonna também não a foi.

  • Die Another Day- Canção épica, um hino de força e resistência. A repetição incontável do refrão quase amaldiçoou a dita canção, mas a energia da sua produção, da sua mensagem e, claro está, da sua intérprete, acabaram por tornar esta canção num dos maiores êxitos de 2002. Originalmente, Die Another Day foi escrita para a banda sonora do filme 007: James Bond- Die Another Day, mas Madonna decidiu inclui-la também em American Life e, na minha opinião, foi uma boa escolha, dado que esta canção segue exactamente o tema base do álbum, tanto musicalmente, como liricamente. É uma das canções mais bem produzidas (por Madonna e Mirwais) na carreira da artista e sobressaiu no meio da homogenidade musical do presente. Os violinos larger-then-life envoltos por batidas e ritmos quebrados techno dão à canção uma energia grandiosa, e o uso do vocoder dá a pitada avant-garde ao tema.

  • Easy Ride-A canção que fecha o álbum tem um início fabuloso, como se se tratasse de um filme antigo, a orquestra surge do silêncio levando-nos para o ambiente suave de Easy Ride. A orquestra cessa e a canção começa com o som de uma simples viola e a voz nua de Madonna que parece estar a terminar a sua viagem de busca que todo este projecto lhe fez percorrer; a sua visão encontra-se mais nítida, canta ela. Após o primeiro refrão (que faz surgir uma inesperada batida), o ambiente adensa-se com uma belíssima prestação de orquestra onde agora também já se incluem sons electrónicos suaves. No final do último refrão surgem mais uma ideia de génio, a orquestra parece continuar e então esta começa a repetir-se continuamente num loop doentio e desfigurante que nos obriga percorrer tudo o que o álbum nos quis transmitir e todo o caos que é necessário atravessar nas nossas vidas até que... o loop termina e a orquestra continua por breves segundos para terminar a sua melodia como um suspiro, um suspiro de alívio, paz e felicidade.

American Life é daqueles álbuns que parece ser simples demais, básico, cru... mas é nisso mesmo que eu vejo a sua genialidade. Eu pensava que me iria cansar de ouvi-lo pouco tempo depois de o ter comprado (2 ou 3 meses), mas verdade é que, após 22 meses, American Life ainda se mantém reinante na minha aparelhagem e nunca outro álbum (de Madonna ou outro artista) conseguiu um reinado tão longo. É um álbum controverso, com muita energia e violência, mas está longe de ser um álbum violento por si só, pois a mensagem é positiva e é isso que falta no mundo da música actual: mensagem. Honesta, limpa e f*ck it! Nota: 18/20.


1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Em breve o farei, obrigado pelo teu contributo :)

5:02 da tarde

 

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